death in geres Escreveu:
A pedido de várias familias aqui vão algumas observações sobre a questão da Belgica.
Antes de mais, não me recordo de ter encontrado algum pedido de demissão por parte aqui do Rui. Se o ideal é não ter governo, ele poderia dar o exemplo pedindo a demissão do tacho que lhe arranjaram em Bruxelas. Por outro lado, estando ele na Belgica, surpreende-me que ele não fale com Belgas para perceber qual o motivo que permitiu à Belgica ter estado tanto tempo sem governo.
Se eu que estou em Portugal, consigo, através dos clientes e fornecedores que tenho na Belgica obter alguma informação sobre o assunto, mais fácil seria para ele que passa por lá todas as semanas fazer as mesmas perguntas que eu fiz.
A não ser, claro, que não exista neste artigo alguma honestidade intelectual mas apenas demagogia pura.
De qualquer forma, para ele e para os demais fica uma pequena análise de como funciona a Belgica.
A Bélgica tem um modelo de crescimento económico consolidado que tem permitido níveis de crescimento económico assinaláveis nos últimos anos e reacções eficazes a períodos de contracção.
Nas últimas duas décadas, a economia cresceu em média cerca de 2% por ano. A Bélgica é uma economia de mercado, com um elevado grau de abertura ao exterior que nas últimas duas décadas cresceu em média cerca de 2% ao ano. Só as exportações representam dois terços do Produto Interno Bruto.
Este modelo de crescimento decorre de um conjunto de factores como a localização geográfica privilegiada, a natureza multi-linguística da população e o espírito empreendedor de abertura a novas experiências do povo belga, que levou a que a Bélgica tenha sido o primeiro país na Europa continental a desenvolver a revolução industrial, no decorrer do século XIX mantendo-se actualmente como um dos países mais industrializados do mundo.
Além disso, a Bélgica apostou na formação de uma mão-de-obra altamente qualificada, que decorre de uma aposta clara na qualidade e orientação do sistema educativo. Em resultado, esta mão-de-obra é adequada ao modelo produtivo dominante e apresenta elevados níveis de produtividade, sendo esta uma área onde apresenta vantagem competitiva na produção de bens com elevado valor acrescentado. A Bélgica destaca-se pela capacidade que tem em comprar matérias primas, transformar, acrescentar valor e depois vender. Consegue assim desenvolver este modelo de crescimento sem que possua recursos naturais relevantes.
A Bélgica tem sabido manter uma política que privilegia o contacto com o exterior, não tendo qualquer restrição à entrada de capitais estrangeiros no tecido produtivo do país, o que torna o país atractivo em termos de captação de Investimento Directo Estrangeiro. Além disso, a captação do investimento estrangeiro torna-se mais favorável quando este país é reconhecido como tendo baixos níveis de corrupção (dos mais baixos do Mundo) e os direitos de propriedade e direitos de autor estarem convenientemente protegidos.
Entre os pontos fracos do actual modelo de crescimento há a destacar dois factores: apesar da Bélgica beneficiar de um tecido produtivo muito desenvolvido e orientado para o exterior, a gestão socio-política é complexa sendo um país com fortes divisões regionais, o que dificultou a concretização de um governo e a implementação de reformas mais profundas. Em termos de gestão económica, nas décadas de 70 e 80, após os choques petrolíferos que afectaram a economia internacional, vieram ao de cima algumas vulnerabilidade em termos de política orçamental, com a reacção das autoridades belgas a contribuírem para desequilíbrios orçamentais que ainda hoje subsistem, nomeadamente no que respeita ao peso da dívida pública no PIB.
Com efeito, o rácio de dívida pública face ao PIB ascendeu a 135% no inicio da década de 90. Desde então, foi assumido um esforço de redução da dívida, o que aconteceu de forma sustentada até 2007, antes do período da crise internacional.
O processo de consolidação fiscal foi iniciado de forma moderada na década de 80, fortemente incentivado pelas regras de acesso à moeda única europeia. Nesse contexto, foram definidos objectivos claros no sentido de fazer convergir de forma sustentada os rácios de acordo com os critérios de convergência (60% no caso da dívida e 3% no caso do défice fiscal). O processo de convergência decorreu em duas fases. Numa primeira fase, a solução passou por uma aposta em receitas fiscais elevadas, que embora resolvessem o lado do défice, não impediram uma deterioração da divida pública; numa segunda fase, a solução passou por uma reforma fiscal, nomeadamente ao nível das competências federais nesta matéria.
As reformas implementadas deram maiores competências às regiões na gestão dos seus orçamentos, mas também impuseram maiores limitações á possibilidade de despesa e endividamento.
Ou seja, ao contrário do que se passa nas nossas regiões, a Bélgica desenvolveu um acordo político em torno dos objectivos de consolidação fiscal, que permitiram a implementação de medidas de médio e longo prazo importantes na contenção da despesa.
Em 2009, com a crise que afectou todos os países, voltou-se a registar um agravamento do rácio da divida pública e do défice.
Daí a preocupação em que sejam criados consensos políticos e a necessidade de se criar um governo federal. A delegação de poderes, competências e responsabilidades nas autoridades regionais que se efectuou nas décadas de 80 e 90 permitem que a governação decorra de forma eficaz a nível local mas constitui um risco a médio prazo pois é fundamental ajustar as medidas de consolidação orçamental tendo por base um acordo politico assente no governo federal.
Os exemplos que Portugal pode retirar do exemplo da Bélgica não têm a ver com a ausência de governo mas com o facto de ser fundamental a qualificação da mão de obra pois, na ausência de recursos naturais, serão os recursos humanos a fazer a diferença. Por outro lado, não tendo uma localização privilegiada a nível europeu somos seguramente uma porta de entrada para mercados emergentes como o Brasil e os Palop que deve ser aproveitada. Acresce ainda o facto da consolidação orçamental e o corte da despesa serem efectuados na Bélgica de uma forma devidamente monitorizada com as diversas regiões a assegurarem um papel fundamental na prossecução destes objectivos.