Política - Discute/Opina

[Psychoneurosis]

O país a arder e o Luís Montemerda anuncia Fórmula 1.
Era só isto.

Percebo a indignação do momento do anúncio, mas a meu ver uma coisa não tem nada a ver com a outra.
O futebol não parou, e tudo o que é jogo profissional tem que ter bombeiros de prevenção, e para não dizerem que em Portugal só se pensa em futebol a nível de desporto, a volta a Portugal em bicicleta não parou e também tem bombeiros de serviço. O festival de Paredes de Coura realizou-se assim com muitas festas da aldeia. E falo de bombeiros porque são a primeira entidade em que se pensa no combate a fogos. Vi muita gente a criticar as entidades governamentais nos últimos dias em relação a este flagelo que é os incêndios, e este ano esteve horrível, mas se calhar até o fizeram nas praias e ao sol, é que as praias estiveram cheias de gente pelo que se viu. Aqui não em refiro obviamente de quem criticou enquanto na linha de fogo, mas mais as vozes populistas e de redes sociais. É verdade que o primeiro ministro e o presidente da república têm alguma para não dizer muita responsabilidade social , mas e os demais ? Ou o Montenegro devia estar a combater fogos em vez de estar na videoconferência com o Putin e o Trump? Por mim devia, mas isso são outros 500 como dizia o outro.
Para terminar, e para quem não percebe nada da poda, agora nesta altura do ano só se pode tentar fazer o possível para que não haja mais estragos, o verdadeiro combate aos incêndios de verão acontece fora dessa mesma estação e com muita prevenção.

[Blackadder]

Vi muita gente a criticar as entidades governamentais nos últimos dias em relação a este flagelo que é os incêndios, e este ano esteve horrível, mas se calhar até o fizeram nas praias e ao sol, é que as praias estiveram cheias de gente pelo que se viu.

Não vejo aqui incongruência nenhuma. Uma coisa é o comum dos mortais, outra é o primeiro ministro. A minha responsabilidade de cidadão é cumprir a lei, pagar impostos e não desestabilizar. A um primeiro ministro exige-se mais que isso.

Se até num trabalho normal às vezes nos proíbem de tirar férias em determinadas semanas porque se sabe que vão ser caóticas — e não há vidas em jogo —, estes gajos vão coçá-los para o Pontal em Agosto? Nada contra o Pontal e nada contra que os cocem em altura própria, mas não agora. Mesmo que na prática não tenha feito diferença, é uma questão de bom senso, de princípios (matéria em que este PM já mostrou não impressionar) e de respeito pelos que se arriscam a perder tudo a lutar nos fogos. Se morresse gente, ainda por cima bombeiros e autarcas, under my watch, eu tinha vergonha na cara e era o primeiro a assumir responsabilidades pelo sucedido (mesmo que a culpa não fosse directamente minha) é para isso que servem os líderes.

Também não quero ver os ministros no teatro de operações, porque só vão lá atrapalhar. Mas se calhar deviam estar a seguir a coisa com seriedade, a tentar agilizar processos e desbloquear ajudas e meios. E sim, há de haver outros elementos para meterem as mãos na massa e fazer as coisas acontecer, mas é uma questão simbólica e isso também é importante: não vais para o Algarve beber bebidas com sombrinha numa festa enquanto há gente a correr risco de vida ou de perder tudo nos incêndios e os bombeiros e as autarquias não têm mãos a medir.

[Psychoneurosis]

Não está em causa a competência ou falta dela do PM, uma coisa é certa, se ele está lá, é porque alguém o meteu lá.
A questão foi o anúncio da formula 1, que muita gente criticou, e eu não percebo o motivo, dei vários exemplos de coisas e eventos que continuaram apesar da situação catastrófica dos incêndios.
Em relação às férias do governo nesta altura, acontece assim há anos e anos, e não é só de governo, mas de outras entidades, por exemplo as férias judiciais também são na mesma altura. E convenhamos, embora todos os anos haja incêndios, este ano foi bastante mais grave que nos últimos anos, e provavelmente o PM e PR poderiam ter dito qualquer coisa sim, mas isso servia de que ? A meu ver , e mais uma vez digo, de quem não percebe nada da poda, a prevenção faz-se durante o resto do ano por todos. Malta que deveria limpar as matas e não as faz, quem deveria de andar em cima destas limpezas não as faz, quem governa deveria estabelecer regras e leis mais duras em relação a estas limpezas e na punição de quem é apanhado a iniciar os fogos.
O exemplo absurdo que dei do pessoal que está nas praias a postar postas de pescada nas redes sociais sobre este assunto, é um bocado como quando se vê malta completamente à rasca e desesperado para tentar apagar fogos e proteger as suas casas e animais e há sempre um jornalista que vai meter o microfone em cima dessa pessoa e fazer perguntas. Podia largar o microfone e ajudar essa pessoa? Sim, mas a função dele ali é enquanto jornalista dar a informação...

[aetheria]

Voltei a pensar no assunto à conta do patético vídeo do Ventura "no teatro de operações". E depois de ler tanto a crítica quanto o louvor "pelo menos ele foi e mostrou respeito, não esteve na praia", cheguei a comentar com um conhecido que, na verdade, repugnar-me-ia da mesma maneira de o vídeo fosse com o Montenegro, o Marcelo, o Carneiro ou outro. É instrumentalização da desgraça, não há ali nada de natural, de espontâneo, de verdadeiro, de não calculado.
Como já aqui apontaram, nem faz sentido o PM ou outros ministros irem para a zona dos incêndios só atrapalham, mas mantém-se aquele velho princípio: "À mulher de César não lhe basta ser séria, tem de parecer séria". Hipocrisias à parte, numa ocasião destas, um PM, e o seu governo, ou um PR, deveriam ter pudor e não andar pelas praias e pelos eventos estivais. Há gente a sofrer, e quem governa no país tem SEMPRE, em última instância, responsabilidade e dever moral. É como eu ter uma das minhas filhas a sofrer e ir para um festival beber e saltar. Posso não lhe tirar o sofrimento, não poder fazer nada, mas há o respeito pela dor de quem nos é próximo. E um Governo TEM DE ser próximo daqueles que governa. Acho que esta gente já se esqueceu disso... basicamente, não há estadistas. Há aprendizes de feiticeiros, a mais das vezes, narcisistas.

[GoncaloBCunha]

É instrumentalização da desgraça, não há ali nada de natural, de espontâneo, de verdadeiro, de não calculado.

Subscrevo na totalidade. Tive vontade de vomitar quando vi as imagens.

[aetheria]

https://www.facebook.com/reel/765617343046893

[Selvagem]

O gajo é um artista.

Desprezo completamente o personagem, mas não se pode negar que em construção de imagem e jogo político está sempre 20 passos à frente dos outros todos.

Obviamente que o teatro só funciona porque há totós que acreditam, e ele sabe disso.
Por mais ridículo que seja, tenho a certeza que esta jogada lhe valeu mais uns quantos votos.

Fazendo uma retrospectiva da carreira deste tipo, desde a palhaçada do comentário desportivo, as alusões à vontade divina, Fátima, as mentiras e contradições, as azias, o serviço de bombeiro.. só em mesmo em Portugal para um tipo com estes teatros todos chegar onde chegou (e nem preciso falar das polémicas dos outros membros do partido).

A direita radical nos outros países da Europa, tanto quanto sei, não tem nada que se pareça com estes teatros. Funcionou nos EUA, funcionou no Brasil, funciona em Portugal.. mas em países mais sofisticados, isto não funciona. O Orban, a Meloni ou a Le Pen não fazem estas figuras.

A comunicação social levou-o ao colo, mas não só. Ele sabe explorar muito bem as fragilidades da massa bruta portuguesa e tocar naquele nervo mesquinho, egoísta e invejoso tão característico no nosso povo.

[aetheria]

A direita radical nos outros países da Europa, tanto quanto sei, não tem nada que se pareça com estes teatros. Funcionou nos EUA, funcionou no Brasil, funciona em Portugal.. mas em países mais sofisticados, isto não funciona. O Orban, a Meloni ou a Le Pen não fazem estas figuras.

A comunicação social levou-o ao colo, mas não só. Ele sabe explorar muito bem as fragilidades da massa bruta portuguesa e tocar naquele nervo mesquinho, egoísta e invejoso tão característico no nosso povo.

Quando comecei a ler o teu comentário ia apontar que é transversal... mas, de facto, pensando nos exemplos que deste, faz sentido o que dizes, sim.

[Psychoneurosis]

Felizmente ou infelizmente somos um país e um povo mais "taberneiro" é normal que a extrema direita portuguesa seja mais "taberneira" quando comparada com outros países. Esta parvoíce do Ventura já lhe garantiu mais uns votos e a manutenção de votos que já tinha.

[Selvagem]

Quando comecei a ler o teu comentário ia apontar que é transversal... mas, de facto, pensando nos exemplos que deste, faz sentido o que dizes, sim.

Acho que há uma serie de temas e práticas comuns a esses populistas (imigração, anti-corrupção, presença forte nas redes sociais, desinformação, vitimização, discurso simples e politicamente incorrecto) mas depois algumas destas acções são moldadas de acordo com o publico-alvo (i.e. a cultura em que se inserem).

O psychoneurosis resumiu bem o que eu escrevi, num país de taberneiros cresce política de taberna.

Sempre fui critico desta mentalidade portuguesa, gosto de Portugal mas o português típico muitas vezes tira-me do sério.
Antigamente as pessoas não tinham grande escolha, a educação e a cultura não eram para todos, e nas pessoas mais velhas tolero certas atitudes. Mas hoje em dia, pessoas com menos de 50 ou 60 já cresceram com cultura e educação acessíveis, hoje em dia ser burro é uma escolha e, para mim, essas pessoas não têm desculpa.

Não estou a falar só de política, mas de traços culturais gerais, que depois obviamente se repercutem na política.

[Psychoneurosis]

Não chamaria de burros , no limite existe muita "incultura". Mas há que ver a the big picture, como dizem os outros. Temos dos salários mais baixos comparado com os países que mencionaste, uma habitação com o custo dos mais altos. Temos que trabalhar muito , por vezes até ter mais que um trabalho, para conseguir ter uma vida condigna, é claro que quando se chega a casa não apetece ler o Kafka mas antes ver o Big Brother ou o Casados. E não esquecer que fomos dos últimos a sair de uma ditadura. Por isto e muitas outras variáveis, somos um povo mais atrasado. Basta ver a classe política que temos , que nos governa mas que é escolhida por nós.

[aetheria]

Concordo muito com ambos.
E muito com a análise do Pshyco: a precariedade social/laboral é terreno fértil para o crescimento de uma mentalidade pobrezinha, a tal que o Selvagem descreveu, o "nervo mesquinho, egoísta e invejoso tão característico no nosso povo".
Contudo, é também de crer que é esta mentalidade que gera estes políticos e a dita precariedade (um ouroboros). Nunca conseguimos, em tantos séculos, dar a volta por cima. Países houve dizimados por guerras e ei-los a florescer. E outros, lá no meio do frio, da ausência de sol, em terrenos inóspitos, que floresceram, como a Finlândia. Temos uma mistura estranha no nosso "sangue"... o Português tanto é pródigo na superação quanto pode ser pequenino e mesquinho. Talvez o chico-espertismo que nos faz vingar em qualquer lugar e levou a entrar em "mares nunca antes navegados" é o mesmo que faz com que sejamos desorganizados, pouco confiáveis e muito maus gestores.

[Selvagem]

Por acaso faz uns dias que tive uma conversa semelhante com amigos.

Respondendo ao psycho e aetheria, concordo no geral com o que disseram acima.

Na minha opinião, o nosso atraso, seja ele cultural, social, económico etc, está inteiramente ligado à nossa mentalidade e cultura.
É algo característico dos países do sul da Europa. Partilhamos culturas e traços de personalidade semelhantes e estamos sempre atrás dos outros por isso mesmo. Impera o chico-espertismo e o salve-se quem puder. Não há sentido de comunidade.

E depois o povo Português tem um gigante complexo de inferioridade. Basta ver o alarido que é sempre que se fala de nós lá fora ou sempre que vem cá alguém famoso - queremos saber que imagem projectamos, o que pensam de nós, precisamos de validação constante, é extremamente irritante. Essa mentalidade reverte-se na forma como vemos os de fora e como nos damos com os cá de dentro.

Nos países do Norte, apesar de serem pessoas mais frias, existe um sentido de comunidade que resulta em maior igualidade na distribuição de riqueza. As políticas neo-liberais funcionaram lá por causa da mentalidade deles, e isso permitiu criarem um estado social forte que paga saúde e educação de qualidade.

Cá isso não funciona, podem pôr lá esquerda ou direita que não vai mudar. Enquanto não mudarmos as mentalidades nunca vamos melhorar. Partidos como o CH só vieram agudizar ainda mais este problema. Estamos a criar uma sociedade cada vez mais individualista, no mau sentido do termo.

Por exemplo: enquanto no resto da Europa tenta-se caminhar para redução de horas laborais e melhoria das condições de trabalho, cá os patrões pressionam o governo no sentido contrário, pedem mais horas de trabalho e facilidade em despedir. Noutros países tenta-se melhorar as políticas de natalidade e cá recua-se nos, já poucos, direitos que temos.
O problema dos incêndios é resultado de práticas económicas perversas que colocam os interesses financeiros de alguns a prejudicar imensos outros. O problema era evitável se não tivéssemos ido pelo caminho mais fácil e barato, legitimado pelo governo PSD-CDS de Passos Coelho.

Junta-se todas estas razões à nossa péssima localização geográfica (já falámos disso aqui) e é difícil ver vias de melhoria.

Isto é só a minha opinião, eu também sou pessimista por natureza, pode ser que melhoremos no futuro mas acho muito difícil.

[Psychoneurosis]

Certo dia, um ex colega meu de trabalho após ver uma reportagem num telejornal, sobre a fuga ao fisco e o que oestado não ganhava com os negócios por fora, salvo erro quando apareceu o e-factura, numa conversa entre colegas disse que tinha ficado arrepiado com o quanto o estado não arrecadava com todos os negócios que eram efectuados dessa forma e por debaixo da mesa como se diz.
Isto pelas 09:30h da manhã.
Perto das 11h disse que nesse mesmo dia ia deixar o carro numa oficina de um conhecido para fazer e ver umas coisas no carro, ao que alguém perguntou e tendo em conta a conversa horas/minutos antes se ia fazer a coisa by the book e com factura e tal, ao que ele respondeu " não que assim fica mais barato e dá -me jeito que assim seja".
Este é o típico tuga, e um motivo pelo qual nunca nos podemos comparar com a malta do norte / escandinávia.

[Selvagem]

Exactamente, excelente exemplo, que não surpreende em nada.

Aliás, em Portugal seria surpresa era se ele tivesse escolhido fazer as coisas como deve ser mesmo tendo a opção mais fácil.