Gentis palavras, professora, e uma interessante abordagem.
De alguma forma, por algum motivo, sem qualquer tipo de perversidade interna, eu neguei a cultura brasileira e a língua portuguesa desde o início da minha vida. Nesse processo não houve nenhum tipo de "eu odeio isto por razão A, B ou C". Foi algo natural. Talvez porque a cultura e a língua inglesa estivessem muito mais inseridas em minha vida desde criança, pelo fato de meu pai ser fã de Rock Clássico e cinema americano. Eu cresci ouvindo músicas em inglês e eram as que me interessavam. O que tocava em termos de música nacional das rádios simplesmente não me despertava interesse.
Eu estou com 35 anos. Com 12 anos eu comprei meu primeiro CD ("The X-Factor", do Iron Maiden). Sou de uma família relativamente bem posicionada socialmente, mas em 1998 eu ainda não tinha acesso à Internet (não sei como a disposição à Internet à população civil se deu em Portugal, mas aqui se consolidou a partir do ano 2000). Assim, a única forma de eu entender o que aquelas canções em inglês diziam era com um dicionário de inglês/português em mãos. Observe que eu não tive alguém me dizendo "você precisa entender o que eles estão dizendo". EU queria sabe! O nome disso é INTERESSE (ou curiosidade, que é a centelha de qualquer mente que se revele proeminente - e não estou dizendo que é o meu caso). Os meninos da minha idade não tinham esse contato com música estrangeira. Diria que entre 100 meninos da minha idade, naquela época, uns 10, no máximo, tinham interesses semelhantes aos meus. Com 14 anos de idade eu estava preocupado em montar uma banda no colégio (e consegui!), enquanto os outros queriam montar um time de futebol. E eu era ridicularizado pelas minhas pretensões. "Você é louco? Você quer ficar famoso? Quer ser um cantor?". Era essa a mentalidade. Mas voltando a 1998, graças ao meu contato com a música estrangeira em tenra idade, eu cheguei aos 35 falando, lendo, ouvindo e escrevendo em inglês fluentemente. Eu nunca frequentei um curso de inglês para aprender.
O que eu realmente desprezo é o carnaval. É a principal evidência de que somos uns patetas que estão pulando e dançando pelados enquanto o mundo em volta está ruindo. Eu não consigo admitir o carnaval. Milhões de reais com dinheiro público (que poderia ser usado para educação, saúde, segurança, desenvolvimento) para uma festa? Está de sacanagem comigo? Se eu fosse presidente a primeira coisa com que eu acabaria seria com o carnaval. Se quiserem fazer essa palhaçada de propaganda sexual para turista babar, façam com o seu dinheiro. Fim. Mas não confie em mim como presidente, porque eu jamais seria um político e tenho ideias insanas, como fechar uma favela (este é o nome correto, é a palavra que diz a verdade, ao invés do eufemismo "comunidade", que serve para encobrir uma realidade vergonhosa e desumana) por terra, ar e água com tropas, tanques e helicópteros e cobertura de satélite e prender todos os traficantes que lá se encontrassem e os trancar numa masmorra isolada na Amazônia pelo resto dos tempos!!!
(eu não estou falando sério, ok... Não tão sério!
)
Sobre o português de Portugal, soa diferente, sim. Vocês usam palavras diferentes. E nos meus ouvidos, todo português fala da mesma forma. No Brasil você tem o sotaque carioca, o sotaque nordestino, o sotaque mineiro e o sotaque sulista (meu caso). Nós não falamos "leiti" (com "i" no final). Nós falamos "leitE", "dentE", "mentE". Sobre os nordestinos, eles falam tão rápido e de uma forma tão cantada que eu tenho dificuldades em entender algumas coisas que escuto. Os cariocas falam como se estivessem em um eterno estado de êxtase, mesmo se estiverem furiosos. Se eu fosse trabalhar na mídia televisiva ou radiofônica, mesmo aqui no Sul, eu teria de falar "denti", "leiti", "a geinti seinti", porque o sotaque sulista é realmente carregado, tendendo a pronunciar exatamente todas as letras de uma palavra com seus respectivos sons - mas eu não entendo porque alguém mudaria sua forma de falar dentro da própria comunidade, o que revela uma certa fragilidade de personalidade, creio.
Uma coisa curiosa... Num canal de TV daqui transmitiram uma novela portuguesa chamada "Ouro Verde". Havia atores brasileiros, mas a esmagadora maioria era constituída por atores portugueses. Meu pai assistia a esta novela. E eu achava curioso o fato de terem dublado todas as vozes dos atores portugueses, como se nós não pudéssemos entender o português de Portugal. Talvez, por ocasião de termos específicos, não consigamos, realmente. Mas eu imagino que isto se deva mais a uma implicância dos brasileiros quanto ao português original.
A pergunta original: "O que um brasileiro pensa de um português?". Brasileiros pensam muitas coisas idiotas sobre praticamente tudo. Brasileiros acham que os americanos vão salvar o mundo, que os franceses são inclinados ao homossexualismo e que os africanos ainda andam pelados até hoje. Esta é a mentalidade média. Existem as chamadas "piadas de português", que normalmente ridicularizam o português sobre sua inteligência (talvez porque nós nos achemos as criaturas mais espertas do mundo). Na cabeça do brasileiro não existe a menor diferença entre um russo, um alemão, um polonês ou um sueco: são todos igualmente polacos (vocês usam o termo "polaco" para se referir ao sujeito oriundo da Polônia, mas aqui é no sentido pejorativo, para se referir ao sujeito de cabelos louros, pele clara e olhos claros). Bem, meu avô era da Polônia.
O que eu penso dos portugueses? Eu acho vocês pessoas boas, de modo geral. Vocês não tem a ambição de dominar o mundo ou destruir outras pessoas - não no Século XXI. Vocês são pessoas que vivem em paz em seu país. Parece que vocês são felizes exatamente do jeito que estão. Vocês tem seus problemas econômicos e sociais, como todo país tem, mas parece que vocês lidam com isso de forma interna, como se fossem uma gigantesca família. Eu poderia dizer que penso a mesma coisa sobre os holandeses, sobre os japoneses, sobre os canadenses (não penso a mesma coisas sobre ingleses, americanos, alemães ou russos). É uma concepção pessoal. Vocês são, como dizemos aqui, "gente fina", em minha opinião.
Sobre o atraso dos alunos brasileiros que você observou... A realidade é pior. Você está falando de pessoas que saíram daqui e foram para a Europa, o que significa que se tratam de famílias que fazem parte da elite econômica do país, majoritariamente. Um pobre não sai de uma cidade de 1.000 habitantes e sem água encanada para estudar em Portugal, porque ele não tem sequer condições de ir à escola mais próxima. Então se a elite econômica brasileira chega em Portugal demonstrando atraso intelectual, é porque as coisas são bem, bem piores. De quem é a culpa? Eu digo que são dois culpados: governo (historicamente) e o próprio povo (mentalidade). O que eu disse lá no primeiro parágrafo, sobre interesse? É exatamente o interesse que falta nas pessoas aqui. Os brasileiros se negam a ler um texto que tenha mais de 10 linhas. Eles se negam a ler legendas de filmes. Eles acham que saber três idiomas, ter duas formações universitárias e conhecer filosofia hermética o torna ou um deus ou um metido. É a mentalidade. MENTALIDADE, é esse o problema principal. É a raiz de todo o nosso mal.
Quando eu digo isto por aqui me perguntam qual seria a solução. Eu respondo com coisas práticas (novamente recorrendo ao exemplo do carrinho de supermercado): "Um brasileiro comum largaria o carrinho exatamente aqui no estacionamento. O que um japonês ou um dinamarquês faria? Ele levaria o carrinho ao local de onde tirou, ou ao menos teria a civilidade de entregar o objeto a um funcionário do estabelecimento. EM RESUMO: NÃO FAÇA AS COISAS COMO UM BRASILEIRO FARIA. NÃO ENGANE AS PESSOAS PARA TIRAR VANTAGEM. NÃO ODEIE QUEM SABE MAIS DO QUE VOCÊ. NA VERDADE, GRUDE-SE A QUEM SABE MAIS DO QUE VOCÊ E APRENDA COM ESSA PESSOA".
Compreendi o que você disse sobre "fenômeno transversal" quando dissertou sobre o que um pensa sobre o outro. Como lhe disse, pensamos as coisas mais cretinas sobre outras pessoas. "O que um brasileiro pensa sobre um boliviano? Pensa que são todos Incas vivendo nas montanhas, ainda". Acho que isso é parte do psicológico humano que tende a distorcer o desconhecido. Às vezes isso é feito com maldade. Aí é um problema. Mas desde que você esteja disposto a conhecer o desconhecido e entendê-lo e flexibilizar seus próprios pré-conceitos, está tudo bem.
Novamente, agradeço seu texto, aproveitando a oportunidade para externar minhas sinceras estimas.
Um abraço.