Política - Discussão ou algo do género.

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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Grimner » sábado dez 10, 2011 3:06 pm

Brilhando Escreveu:Grimner, disseste mesmo que és licenciado em História?

A Alemanha é contra a impressão de dinheiro porque foi isso que levou à hiperinflacção da República de Weimar (para pagar as reparações de guerra e para as reconstruções).
Quando os Estados não conseguem pagar as dívidas contraídas, a impressão monetária é o recurso mais fácil que os políticos têm para salvar a face, pois podem sempre atirar as culpas dos efeitos do excesso de dinheiro em circulação - subida desenfreada dos preços, pois a demanda pelos bens que o dinheiro pode comprar aumenta mas a oferta mantém-se - aos especuladores e a qualquer outro fantoche que toda a gente adora odiar, em vez de CORTAREM AS DESPESAS ou TAXAREM a população em 100%.

Se tanto gostas dos "direitos adquiridos" (que sao sempre direitos positivos), mete as pessoas que usufruem deles a PAGAREM DIRECTAMENTE por eles, em vez de fingires que o dinheiro vem do nada e que há almoços grátis e queres meteres os outros (os que não trabalham no Estado) a pagar por eles.




Os direitos adquiridos, caso não saibas, não são apenas e meramente os direitos de que goza a função pública. São os direitos à saúde e segurança no trabalho; são os direitos à semana de 40 Horas; são os direitos à compensação justa pelos salários ( e já agora, convém desmistificar, os subsidios de férias e natal não são "bonus" extras, o nosso sistema de pagamento é que prevê sempre uma semana a menos no salário que é depois compensada por intermédio dos subsídios. Não o modelo ideal, e por isso mesmo outros países europeus fazem as contas semanalmente, mas dizer que um subsídio é uma benesse é, pura e simplesmente, mentira); são os direitos à saúde; aos transportes; à educação. Tudo direitos que são extensíveis a toda a sociedade civil.


A Alemanha pode alegar as razões que bem entender, nada diminui o facto de que a banca, principal responsável pelo seu comportamento especulativo por esta crise, ser agora quem de longe está a beneficiar mais dela. Curiosamente, a banca Alemã, que anda a ganhar fortunas com os empréstimos que os restantes países andam a ser forçados a contrair. Inflação é obviamente má, mas pior ainda é a criação de uma dívida impagável e cada vez mais cumulativa que está a sobrecarregar os países com medidas de austeridade e a criar governos não democráticos cuja única política é a de abolir direitos para pagar juros à banca. Tão mais grave que muita dessa banca especulativa ocupa agora de facto os lugares cimeiros das instituições comunitárias e já tomam conta de pelo menos dois governos directamente.

O BCE já libertou 200 mil milhões de euros para sanar as contas europeias. Ou seja, deu moeda. Mas dá-a não directamente aos países, mas ao FMI que depois poderá emprestar aplicando, ainda e sempre taxas de juro. Essas mesmas taxas de juro que tornam a dívida impagável, aliadas à imposição de sacrifícios que seriam compreensiveis se visassem uma reestruturação ou crescimento real. No entanto, os efeitos das políticas de austeridade mostram SEM EXCEPÇÃO que todas as medidas tomadas apenas contribuiram para piorar a situação.

A minha preocupação está no facto de não só esta situação estar a criar efectivamente um cenário de ditadura efectiva, como o da actual política económica não prever nem mexer no elefante na sala: os juros da dívida perfazem, na maioria das situações, tanto quanto a dívida em si e são incomportáveis. Um buraco negro económico que se criou para cobrir gestões desastrosas, especulações financeiras, nada ou pouco disto tendo origem nas populações a quem agora lhes aparece a factura e se tenta impingir como mantra que pague por terem vivido acima das possibilidades. É uma falácia, tanto mais que continua a ignorar a completa desregulação dos "mercados" e, pior, os continua a alimentar. Uma dívida contraída nestas condições perde a sua legitimidade, tanto mais que reforça o poder de quem causou a crise, saiu incólume e agora mais lucra com a mesma. Um sacrifício sem um objectivo é pura e simplesmente um massacre. e não há objectivo ou propósito nesta política europeia, nem uma solução que estabilize a situação financeira dos governos. Apenas um reforço colossal da banca.


E não deixa de me causar estranheza que quem se indigna pela ideia de pagar pelos direitos adquiridos de funcionários públicos ou pensionistas não tenha aparentemente um pingo de indignação pela ideia de carregar o fardo da corrupção e enriquecimento ilícito de quem de facto causou esta crise.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Audiokollaps » sábado dez 10, 2011 3:49 pm

Grimner Escreveu:E não deixa de me causar estranheza que quem se indigna pela ideia de pagar pelos direitos adquiridos de funcionários públicos ou pensionistas não tenha aparentemente um pingo de indignação pela ideia de carregar o fardo da corrupção e enriquecimento ilícito de quem de facto causou esta crise.


Somos 2!

Não percebo uma pessoa que alegremente "paga do seu bolso" para alimentar uma banca corrupta, mas ao mesmo tempo indigna-se com o que recebe um Funcionário Público.

Pelas minhas contas, para o próximo ano vou receber menos 3623 euros, isto em termos salarias. Se contarmos o aumento de impostos directos/indirectos... a brincadeira não vai ficar barata aos portugueses.

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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor raxx7 » sábado dez 10, 2011 6:52 pm

Grimner,
podes dizer que o BCE torceu as regras, mas a verdade é que indirectamente o BCE interveio para baixar as taxas de juro, tanto comprando divida portuguesa no mercado secundário como emprestado dinheiro à banca nacional, relaxando as regras.
Mas a questão fundamental permanece: o BCE não tem dinheiro infinito a não ser que o imprima. E isso significa inflação. Ou seja, na prática, o BCE pode ajudar-nos... tornando-nos todos mais pobres via inflação.
Que é provavelmente aquilo que vai acontecer, assim que os políticos se entenderem. É um daqueles casos de teres cuidado com o que queres porque corres o risco de o obter.

1600€ não é uma exorbitância, mas não é nada mau num país onde a média são menos de 900€.
Mas o despesismo não é o valor em si. O despesismo é o facto de ano a pós ano, estas classes profissionais aproveitarem a sua posição de poder atrapalhar seriamente a vida das pessoas para exigir mais e os políticos lhes darem mais, esquecendo-se que o dinheiro dos contribuintes é finito.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Grimner » sábado dez 10, 2011 7:41 pm

Portanto, o medo da inflação é tornar-nos mais pobres portanto, para fugir a esse caminho vamos empobrecer. Como argumento é um pouco obtuso, até porque mais pobres já estamos a ficar, e com consequências graves no exercício democrático a que claramente evitas responder. Oh, espera, pois, são moralismos de menor importância...

:roll:

E na senda de distorção de argumentos, as ajudas do BCE manifestam-se fazendo venda da nossa divida que depois é renegociada a juros 6 vezes mais altos que aqueles que o BCE cobra. O que leva à situação (a que convenientemente também se tem feito aqui orelhinha mouca) de juros da dívida tão grandes ou maiores que a dívida, que a tornam, na prática, incobrável. Excelente negócio para os credores, que relembremos mais uma vez são os causadores da crise... e as medidas de austeridade têm levado, repito sem excepção a uma situação de maior pobreza. Portanto, se se quer dizer que a inflação nos torna mais pobres, também o faz a austeridade. e essa fá-lo enriquecendo a banca de investimentos e aumentando o poder directo da mesma sobre as políticas mundiais. Portanto dizer que estas medidas são necessárias para não empobrecer quando a consequência delas é precisamente o empobrecimento e o agravamento da dívida (ou seja sacrificio sem contrapartidas) alterna entre o néscio e o intelectualmente desonesto.

QUe o dinheiro do BCE não é infinito é fácil de compreender, mais dificil porém é perceber que o dinheiro que este disponibilize seja entregue não aos países ( a quem não cobraria os tais 1%), mas ao FMI, que cobra 5,6, ou 7% com tendência a aumentar se as agências de rating estiverem para aí viradas. Uma das soluções não onera os países em favor da banca e dá uma maior possibilidade de recuperação económica.

E culpar os salários da fp pela crise é de novo, um absurdo e já foi aqui desmantelado. É como estares gordo, ires ao McDonalds, e pedir adoçante no café para não engordar. E é francamente parvo que se fale muito mais disso que das políticas de investimento absolutamente desastrosas. De novo com os juros, citando o deputado acima, gasta-se mais nos juros que nos salários, e esses juros foram contraídos em investimentos e favorecimentos decididos por administradores (esses sim) com vencimentos absolutamente absurdos. E repito os 1600€ estão contingentes de prémios e subsidios vários que advêm de outras circunstâncias. Um maquinsta da CP pode ter turnos de 60 horas, mais 50% que um trabalhador médio por conta de outrem. E a atribuição desses subsidios que permite totalizar os 1600€ está dependente desses critérios. Só para dar um exemplo.


Mas o país está mal porque o maquinista e a mulher do guichet ganham imenso.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor raxx7 » sábado dez 10, 2011 9:39 pm

Grimner,
não sou necessariamente a desfavor do BCE começar a imprimir dinheiro para cobrir a divida pública europeia.
Só te estou a dizer que na prática acaba por ser uma forma alternativa de nos tornar mais pobres; e que tem riscos (espiral de hiper-inflação).

Desonesto é tu vires para aqui apontar as falhas das medidas mas nunca propões medidas alternativas.
É que sem apontares medidas concretas, é impossivel apontar as falhas delas.

Voltando á CP, a brutal divida da CP não tem nada a ver com maus investimentos e favorecimentos.
(E não me apetencendo ir rever o video, tenho quase a certeza que o deputado não disse tal disparate).
Se alguém o disse, é ignorante e está a inventar.

A dívida da CP foi criada por décadas de Governos que em vez de cobrirem o prejuízo operacional (que é inevitável numa empresa de transportes públicos como a CP por muito bem gerida que seja) com transferências do OE, obrigaram a empresa a cobrir isso com empréstimos sucessivos.
Por exemplo, a CP teve em 2008 algo como 285M€ de receitas próprias, mais 40M€ de subsidios do Estado e mais uns 20M€ que não sei bem de onde vieram para um resultado operacional de ~344M€.
Ao mesmo tempo, tiveram custos operacionais de 444M€ (dos quais 141M€ são com pessoal) para um prejuizo operacional de ~100 M€. Ou seja, só em termos operacionais a CP custou aos contribuintes 140 M€.

Aos 100M€ de prejuizo operacional, somam-se mais 107M€ de prejuizo financeiro (juros).
E esses juros são juros de dívida que foi contraida para cobrir décadas de anos iguais ou piores que 2008.

Portanto, não é correcto dizer que a CP gaste mais dinheiro em juros que salários.
Mas mais importante, há ali 140M€ de prejuízo operacional que não tem nada a ver com juros e que inporta reduzir. E os salários são uma fracção importate disto. Não só porque são mais de 25% dos custos, mas porque foram alvo de décadas de descontrolo.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Grimner » sábado dez 10, 2011 11:00 pm

Quanto às respostas e alternativas, estão em todas as minhas respostas. Por exemplo, não será um salto muito grande afirmar que, se o BCE tem a capacidade económica de emprestar ao FMI 200 mil Milhões de Euros a 1.25% de juro (e podemos assumir que não está a "criar moeda" e a aumentar a inflação ao fazê-lo), que o poderia fazer directamente nos países, em vez de os sujeitar às taxas que a troika cobra e que flutuam ao sabor da vontade das agências de rating. Não faz sentido, a não ser para beneficiar a banca privada, a criação desse intermediário.

Por outro lado, se a inflação é um papão, não o são menos os juros da dívida, que estão em valores que efectivamente impossibilitam para todo o sempre o seu pagamento. O juro mantém-nos refém da dívida, e levar inevitavelmente à contracção de MAIS dívida. O caso grego é absolutamente gritante nesse aspecto. A que levaram as medidas brutais? Mais empobrecimento, e mais dívida, e juros mais elevados. Urge entrar em ruptura com essa espiral. Inflaccionar a moeda é uma medida brutal, mas que não aumenta os juros; e por outro lado, há que renegociar a dívida, os juros da mesma e até repudiar as parcelas contraídas ilegalmente. Já aqui falei dessa medida, e não a anuncio mais por estar na assembleia constituinte e como tal directamente envolvido nela (publicitar demasiado a medida seria a meu ver contra a regra que impusemos e bem de ausência de propaganda. Mas se houver quórum não só a publicito, como convido a fazer parte nos debates a realizar) mas, vários países fizeram já auditorias cidadãs às contas. Alguns, como o equador ou o Brasil, por ordem dos próprios governos, sendo que no caso do Equador essa auditoria deu lugar a um repúdio de uma grande parcela de dívida, a chamada "dívida odiosa" (contraída por um governo contra os melhores interesses da soberania nacional) que pôde ser legalmente recusada, e haver um renegociar e um anular de parcelas de dívida com base nesses pressupostos. Foi feito com sucesso em vários países da América do sul, e se é certo que houve recessão nos mesmos (também vai haver cá, não seja por isso), também é inegável que hoje estes países têm crescimento económico. Não podemos, infelizmente, arrogar a mesma riqueza natural de um Brasil ou de uma Argentina, mas já um Equador será um exemplo mais equiparável. Não é uma solução fácil, mas é uma solução que enfrenta a banca (que convenhamos, neste momento, é um inimigo) em vez de se submeter à mesma. E a submissão à banca prevê-se desastrosa, e aí acho que concordamos.

É evidente que os mercados vão estrebuchar com estas medidas, é evidente que o nosso governo, tal qual está, governado por papalvos, não irá fazer outra coisa que não andar obediente a toque de caixa do Mário Draghi. Mas por isso mesmo se segue o modelo Irlandês de auditoria que com um ano de trabalhos feitos com todos os entraves possíveis e imaginários por parte do governo tem conseguido encontrar e fazer prova de muita dessa dívida odiosa.

Para mim essa é a luta a travar e a tomar, e é a que tenho defendido e mantido desde que iniciei esta discussão: esta dívida tem contornos extremamente duvidosos, seja pelos colapsos da banca seja pela má gestão, e há que haver uma luta e uma resistência a esta interferência dos mercados no controlo total da nossa democracia. É impraticável, mas apenas na medida em que os governos e governantes eleitos e nomeados da Europa querem precisamente o contrário, e o próprio BCE é neste momento quase mais uma sucursal da Goldman Sachs que outra coisa qualquer. Não deixa porém de ser o que faz racionalmente mais sentido fazer, e o que é mais ético. Que o BCE possa emprestar 200 mil milhões e, em vez de o fazer directamente aos países o faça ao FMI é indicativo de sobra de que qualquer via alternativa à austeridade tem de ser feita em oposição a sério e com participação da sociedade civil. E terão que haver mudanças à mesma. Usando, por muito que o quisesse evitar, o exemplo Islandês, é um sucesso não porque evitaram adversidades(e não se fala nem nunca se falou em evitá-las, mas sim de evitar males ainda maiores), mas porque as conseguiram tornar em algo útil. Um apertar do cinto em função de algo é mais perceptivel e mais aceite que o que vemos agora. E se a Islândia apertou o cinto, por outro repudiou a dívida dos seus bancos, julgou os responsáveis, derrubou o governo, e está neste momento a fazer algo de tremendamente surpreendente, que é um reescrever da constituição de forma vincadamente apartidária.

Os números que o Bruno dias utilizou referiam-se ao Metropolitano de Lisboa, que terá tido em 2010 custos operacionais com pessoal na ordem dos 73 Milhões para um juro de 104 Milhões. A discussão que foi aqui falada referia-se a todos os transportes e não apenas a CP ou Carris ou Metro em particular. Portanto, é correcto dizer que o METRO gasta mais em juros que em salários. De resto, remeto ao que tu disseste sobre uma política de contracção de empréstimos que neste momento faz com que se as despesas de pessoal sejam 25%, os juros mesmo que não igualem, sejam uma parcela de dívida que lá não devia estar. Podemos assumir que se uma política cria mais prejuízo e endividamento a uma empresa pública que aquilo que devia, essa política será danosa e ruinosa. E que solucionar essa questão começando, antes de mais, por cortar nos salários de quem mantém o funcionamento dos transportes e reduzindo o serviço a quem deles necessita, não é a melhor forma de começar. E vê-se de novo um padrão dos juros excessivos no meio de tudo isto.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Audiokollaps » sábado dez 10, 2011 11:30 pm

Na sequência do post anterior...

Europa: A grande regressão

O que chamamos “estado de bem-estar”, os mercados já não toleram e querem demolir. Esta é a missão estratégica dos tecnocratas que chegam ao centro do governo graças a uma nova forma de tomada de poder: o golpe de Estado financeiro.

Agora está claro: não existe, no interior da União Europeia, nenhuma vontade política de enfrentar os mercados e resolver a crise. Até há pouco, atribuiu-se a lamentável atuação dos dirigentes europeus à sua desmedida incompetência. Mas esta explicação, ainda que correta, não basta, sobretudo depois dos recentes “golpes de Estado financeiros” que puseram fim, na Grécia e na Itália, a certa conceção de democracia. É óbvio que não se trata só de mediocridade e incompetência, mas de cumplicidade ativa com os mercados.

A que chamamos “mercados”? A este conjunto de bancos de investimento, companhias de seguros, fundos de pensões e fundos especulativos (hedge funds) que compram e vendem essencialmente quatro tipos de ativos: moedas, ações, papéis da dívida dos Estados e produtos derivados dos três primeiros.

Para ter ideia da sua força colossal, basta comparar duas cifras: em cada ano, as empresas de bens e serviços criam, em todo o mundo, uma riqueza estimada (se medida pelo PIB) em cerca de 45 biliões (milhões de milhões) de euros. Ao mesmo tempo, em escala planetária, os “mercados” movem capitais avaliados em 3.450 biliões de euros. Ou seja, setenta e cinco vezes o que produz a economia.

Consequência: nenhuma economia nacional, por poderosa que seja (a da Itália é a oitava do mundo), pode resistir aos assaltos dos mercados quando estes decidem atacá-la de forma coordenada, como estão a fazer há mais de um ano contra os países europeus depreciativamente qualificados como PIIGS [porcos, em inglês]: (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha).

O pior é que, ao contrário do que se poderia pensar, estes “mercados” não são unicamente forças exóticas, vindas de algum horizonte distante para agredir as nossas gentis economias locais. Não. Na sua maioria, os “atacantes” são os nossos próprios bancos europeus (estes mesmos que foram salvos, com o nosso dinheiro, pelos Estados, na crise de 2008). Para dizer de outra maneira, não são apenas fundos norte-americanos, chineses, japoneses ou árabes os que estão a atacar maciçamente alguns países da zona euro.

Trata-se essencialmente de uma agressão de dentro, dirigida pelos próprios bancos europeus, as companhias europeias de seguros, os fundos especulativos europeus, os fundos europeus de pensões, as instituições financeiras europeias que administram as poupanças dos europeus. São eles que possuem a parte principal da dívida dos Estados1. E que, para defender em teoria os interesses dos seus clientes, especulam e obrigam os Estados a elevar as taxas de juros que pagam, a ponto de levar vários (Irlanda, Portugal, Grécia) à beira da falência. Com o consequente castigo para os cidadãos, que devem suportar medidas “de austeridade” e brutais ajustamentos decididos pelos governos europeus para “acalmar” os mercados-abutres – ou seja, os seus próprios bancos.

Estas instituições, além de tudo, conseguem facilmente dinheiro do Banco Central Europeu a 1,25% de juros, e emprestam-no a países como Espanha ou Itália a… 6,5%. Daí a importância escandalosa das três grandes agências de avaliação de riscos (Fitch Ratings, Moody’s e Standard & Poor’s): da nota que atribuem a um país2 depende o nível dos juros que este pagará para obter um crédito dos mercados. Quanto mais baixa a nota, mais altos os juros.

Estas agências não apenas costumam equivocar-se – em particular na sua opinião sobre as hipotecas subprime [de segunda linha] norte-americanas, que deram origem à crise atual – mas desempenham, num contexto como o de hoje, um papel perverso e execrável. Como é óbvio que todos os planos “de austeridade” de cortes de direitos e ataque aos serviços públicos irão traduzir-se em queda do índice de crescimento, as agências baseiam-se nisso para rebaixar a nota do país. Consequência: este deverá reservar mais dinheiro para o pagamento da sua dívida. Dinheiro que precisará obter cortando ainda mais o orçamento. Provocando queda inevitável da atividade económica e das próprias perspetivas de crescimento. E então, de novo, as agências rebaixarão a sua nota.

Este ciclo infernal de “economia de guerra” explica porque a situação da Grécia se foi degradando tão drasticamente, à medida que o seu governo multiplicava os cortes e impunha uma férrea “austeridade”. De nada serviu o sacrifício dos cidadãos. A dívida da Grécia baixou ao nível dos “títulos lixo”.

Deste modo, os mercados obtiveram o que queriam: que os seus próprios representantes cheguem ao poder, sem precisar submeter-se a eleições. Tanto Lucas Papademos, primeiro-ministro da Grécia, quanto Mario Monti, presidente do Conselho de Ministros da Itália, são banqueiros. Os dois, de uma maneira ou de outra, trabalharam para o banco norte-americano Goldman Sachs, especializado em colocar os seus homens nos postos de poder.3 Ambos são, também, membros da Comissão Trilateral.

Estes tecnocratas planeiam impor — custe o que custar socialmente e nos marcos de uma “democracia limitada” — as medidas que os mercados exigem (mais privatizações, mais cortes, mais sacrifícios) e que alguns dirigentes políticos não se atreveram a tomar, por temerem a impopularidade que tudo isso provoca.

A União Europeia é o último território no mundo em que a brutalidade do capitalismo é mitigada por políticas de proteção social. Isso que chamamos “estado de bem-estar”, os mercados já não toleram e querem demolir. Esta é a missão estratégica dos tecnocratas que chegam ao centro do governo graças a uma nova forma de tomada de poder: o golpe de Estado financeiro. Apresentado, é claro, como compatível com a democracia…

É pouco provável que os tecnocratas desta “era pós-política” consigam resolver a crise. Se a sua solução fosse técnica, já teria sido adotada. Que se passará quando os cidadãos europeus constatarem que os seus sacrifícios são em vão e que a recessão se prolonga? Que níveis de violência os protestos alcançarão? Como se manterá a ordem na economia, nas mentes e nas ruas? Haverá uma tripla aliança entre o poder económico, o mediático e o militar? As democracias europeias converter-se-ão em “democracias autoritárias”?

Artigo publicado em Le Monde Diplomatique

1- Na Espanha, por exemplo, 45% da dívida pública é controlada pelos próprios bancos espanhóis. Dos 55% restantes, dois terços são detidos por instituições financeiras do resto da União Europeia. Significa que 77% da dívida espanhola foi adquirida por europeus e que apenas os 23% restantes se encontram em mãos de instituições estrangeiras à UE.

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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor raxx7 » domingo dez 11, 2011 12:20 am

Grimner,
deixa lá ver se eu percebi (tu escreves bué...), As tuas propostas incluem
- Ter o BCE a emprestar $$ aos paises a baixos juros?
Como já disse antes, não digo nem que sim nem que não.

PS: parece que afinal o BCE não vai emprestar 200 mM€ ao FMI.

- Repudiar divida odiosa, ilegal e etc?
Como já disse, há que separar a tua opinião (subjectiva) de situações de maus investimentos e etc, do facto de conseguires provar objectivamente de que quem emprestou o $$ não tem direito a tê-lo de volta.
Se conseguires fazer a última coisa, FIXE!

Se não conseguires, vai ser tratado como um default, com todas as consequẽncias disso.
Que foi o que aconteceu com o Equador, embora eles se tenham safado mais ou menos com isso.
E isso é brincar com o fogo. A possibilidade de cairmos num cenário tipo Argentina (10% de recessão num ano, Estado sem dinheiro para cumprir a sua função) é muito elevada.

Mais alguma proposta?

E qual é a tua posição sobre o défice das contas do Estado?
Reduzir? Ou continuar com défices de 5, 10%?

E desculpa lá, mas tu escreveste claramente "investimentos e favorecimentos".
Eu demonstrei claramente que o passivo da CP tem origem em despesa corrente. O mesmo se aplica ao ML -- com excepção das últimas extensões, a dívida deles é quase toda acumular de despesa corrente.
Diferente no caso do MdP: eles têm a divida da construção.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Grimner » domingo dez 11, 2011 12:48 am

Então agora vou ser sucinto:


No que diz respeito ao uso das palavras investimento e favorecimento, foi lapsus linguae. E sim, tens razão, trata-se de despesa corrente, em que se recorre constantemente e erradamente à banca privada. Mas no caso do ML tem havido constantemente obras e construção pelo menos desde os tempos da Expo.

A solução do BCE seria uma possível. E seria possível se o Banco Central agisse como banco central. Já nem falo de cunhagem de moeda, mas de pode emprestá-la livremente. Graças ao tratado de Lisboa conforme acima citado, isso não é possível.


Falas das soluções de declarar ilegais parcelas da dívida ( o comité de que neste momento se prepara para analisar a nossa tem juristas, peritos constitucionais e economistas que serão propostos com o intuito de avaliar estas questões e trazê-las a praça pública) como sendo arriscadas, podendo criar um default. Falas da situação do equador como tendo sido uma jogada arriscada que deu certo, e falas igualmente da Argentina que teve uma recessão violentissima, mas que está em franquissimo crescimento neste momento. Portanto, mesmo nos piores dos cenários houve recuperação. Soluções milagrosas é que já não há.


Permite-me porém pôr a questão ao contrário: Que possibilidades de recuperação económica há em manter países agrilhoados a juros tão grandes quanto as suas dívidas. Falas de risco e de empobrecimento brutal no caso de um default, mas não há o mesmo risco ao tentar manter uma dívida que, sejamos realistas, pura e simplesmente não é pagável? Aceitas de bom grado todos os atropelos democráticos (e não são poucos, desde a presença de polícia infiltrada ao mais puro Estado Novo dentro das manifestações - e as imagens comprovam-no, as mentiras já foram mais que apanhadas, e não é só o meu testemunho - , à queda efectiva de governos e um cada vez maior poder de banqueiros não eleitos não só na CE mas nos próprios governos nacionais) ? Porquê continuar a acatar uma medida que -e ainda não tive contraditório- é um endividamento dos estados que beneficia directamente os credores, vai obrigar a regressões sociais profundas sem que tenha demonstrado uma única vez ser um caso de sucesso? Se da austeridade só advém mais dificuldade económica sem qualquer indício de recuperação, porquê então aceitá-la?
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor raxx7 » domingo dez 11, 2011 1:14 am

Não tenho a certeza se todas as obras dos últimos anos do ML foram pagas pela divida do ML.
É que no ML, a infaestrutura é do Estado, não da ML, EP.
De novo, uma situação diferente no Porto: a MdP, EP tem a divida da construção, mas também é dona da infraestrutura.

Quando a alternativas, IMHO, o melhor caminho é esperar que a UE consiga criar um fundo de resgate europeu capaz de ajudar os paises em melhores condições que as actuais (o que pode e se calhar deve passar pelo BCE) mas tentar cumprir com a divida que temos e reduzir o défice o mais rapidamente possivel até ~0. E inscrever limites a novos endividamentos e compromissos na Constituição, tipo Alemanha.
Isso vai-nos dar uns anos de recessão (2-3%) mas durante os quais o Estado continua a cumprir as suas funções sociais com de forma relativamente normal.
No entretanto, tentar limar os obstáculos ao investimento e crescimento económico (justiça, burocracia do Estado, código de trabalho, etc) e, pode ser que daqui a 2 ou 3 anos voltemos a crescer económicamente.

Parece-me muito melhor que arriscar uma situação de colapso económico e social. Depois teriamos bom crescimento, mas batemos tão no fundo que só daqui a 10 anos voltamos a ter um nivel de vida e um Estado social comparado ao de hoje.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Grimner » domingo dez 11, 2011 2:13 am

O problema é que essa medida assenta numa esperança que realmente não tem grande eco no corrente rumo europeu. Qualquer tipo de fundo de resgate com esta liderança ( que não se resume, de forma alguma, aos líderes eleitos, e esta é uma parte da equação que não surge na tua solução) ou é impossível, ou vem com tais condições agarradas que só pode resultar numa contracção ainda maior.

Diria também que sem esse fundo de resgate que me parece wishful thinking, não é em 2, 3 anos que se resolve a questão.

Gostaria também de saber em particular de que forma conjugarias revisão das leis laborais ao crescimento económico. É que o aumento de horas de trabalho e a redução dos salários não levam a uma maior competitividade, a não ser que o mercado com que queremos competir seja o da china ou Índia e mesmo aí perdemos por virtude simples de capacidade e quantidade de mão de obra. Não sei quanto à tua experiência laboral, mas a minha sempre me mostrou que a produtividade aumenta onde há incentivos para tal e inversamente diminui em condições de trabalho precário e sem incentivos para o trabalhador.

Há ainda uma coisa que a tua solução não me parece prever, e aqui voltando ao que toquei no 1º parágrafo porque não é algo que possa ser ignorado: está-se a criar um vazio democrático na europa neste momento, acompanhado de uma hegemonia dos bancos que não só provaram que podem criar uma crise, lucrar com ela, sair incólumes e ainda colocar os seus homens nos mais altos aparelhos de estado europeus (e mundiais, mas fiquemo-nos pela europa). As leis do jogo, tais como estão neste momento, deixa-nos tremendamente vulneráveis a uma banca que neste momento sabe que basta uma mudança de rating ( a Standard & Poors fez uma na passada 4ª feira ostensivamente para pressionar a cimeira europeia e as suas decisões ) para criar um novo efeito dominó.

Se me bato por soluções de relativa ruptura é precisamente por achar que todas estas soluções, dos PECs aos planos de austeridade, são remendos enquanto se espera e reza que chova, mas muito pouco que combata o sistema especulativo que permite esta queda, mesmo nos estados fortes. Qualquer medida de austeridade é um deitar gasolina nas chamas e um aumentar da espiral de dívida. Olho para a situação corrente da Grécia, e a situação emergente em Portugal e não consigo deixar de ver países a caminhar para uma pobreza insustentável, sem prospectos de recuperação ou implementação de infraestruturas para a mesma. Não somos a Argentina nas suas horas mais negras, mas para lá caminhamos sem qualquer indicativo para além de um "fingers crossed" de que não nos tornemos como eles. Se formos resgatados, continuaremos frágeis face aos mercados. Se cairmos, teremos tido austeridade para nada e teremos de fazer um default à mesma. Mas bem mais pobres que agora.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Grimner » domingo dez 11, 2011 2:31 am

E lanço aqui para a análise de quem a queira fazer, a Iniciativa da Auditoria Cidadã:


http://auditoriacidada.info/


Irá haver uma convenção a dia 17 antecedida de palestras a dia 16 pela Mª Lúcia Fatorelli e Éric Toussant ( que estiveram envolvidos de perto nas auditorias da América do Sul). Se a coloco aqui é por acreditar, não que esta será milagrosa e vai resolver todas as questões, mas porque mesmo que falhe em tudo o resto me parece uma peça importante cuja falta ajudou a toda esta crise: enquanto cidadãos confiámos demasiado na representatividade, ou demitimo-nos por completo da participação.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor raxx7 » domingo dez 11, 2011 2:49 am

Bom, se o rumo da europa não muda, vamos ter de testar o método do default por força das circunstâncias!
O que é não propriamente uma improbabilidade...
Mas em vez de o provocar, prefiro tentar o caminho alternativo se possível.

Não digo que o problema se resolve inteiramente em 2 ou 3 anos. Mas acho que, havendo um mecanismo de europeu de financiamento e reduzindo o défice orçamental, acho que podemos voltar a ter algum crescimento e voltar ao jogo perverso de pedir empréstimos para pagar empréstimos e, talvez, começar a pagar a dívida devagarinho.

Não vejo particular beneficio no aumento de horário de trabalho ou redução de salários no sector privado.
Aquilo que vejo necessidade é de acabar com o conceito de vinculo vitalicio ou de permitir despedir sem justa causa (mas com uma indeminização, claro).

Não se está a criar um vazio democrático na europa. Já se criou, quando sucessivos governos de sucessivos paises europeus contrairam dividas atrás de dividas para os seus cidadãos pagarem ao ponto de a economia desses paises estar refém da necessidade de garantir um fluxo continuo de novos empréstimos.
O que não me agrada mais que a ti.
Razão pela qual uma das medidas que acho necessárias é inscrever limites ao endividamento na Constituição.
E se a seguir usarmos o BCE para pagar a dívida existente à banca privada e deixar de estar reféns dela... ok.
Agora, não vejo forma de ir mais longe sem fazer um default.

Se formos resgatados, continuaremos frágeis face aos mercados. Se cairmos, teremos tido austeridade para nada e teremos de fazer um default à mesma. Mas bem mais pobres que agora.

True. Mas acho que há um pormenor que está a escapar: se cairmos e tivermos um default, isso quase de certeza implica uma austeridade brutal. Estás a ver as tuas poupanças que tens banco? Diz-lhes adeus... Às tuas, as minhas, etc, etc.

Comparado com isso, a austeridade actual é um walk in the park. Por isso é que não me importo de tentar o caminho actual, mesmo correndo o risco de não resultar. Não perdemos grande coisa.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor Grimner » domingo dez 11, 2011 3:29 am

Aqui já entramos perto de um consenso.

O único grande calcanhar de Aquiles (e ponto de discórdia, talvez) que vejo nessa linha de argumento é o "se" tremendo em que ela se pendura, o da abertura de uma linha de crédito. Esse é um "se" muito grande, está contingente da "boa vontade" se assim lhe quisermos chamar, do BCE, que não só tem demonstrado bem pouca como revela uma promiscuidade com os mercados. Esta dívida é boa para a banca, que faz lucro não do empréstimo mas do cliente que nunca o liquida. O que faz de mim um pessimista para quem o próprio sistema bancário deveria ser remodelado de raiz.

E a ideia que tenho não é a de necessariamente forçar um default, mas de perceber e analisar o máximo de dívida possível com vista a um renegociar da mesma. Para não falar de que é um exercício de cidadania. A ignorância e o alheamento são os maiores luxos hoje em dia, e que faz sentido este escrutinar aprofundado das contas públicas. Alguns dos relatórios que se têm visto no que tem sido possível auditar na Irlanda tem sido de facto surpreendente, mesmo com todos os entraves. Como é possível calcular, se estes processos foram dificeis no Brasil e no Equador onde o próprio governo iniciou o processo, os governos da Irlanda ou Portugal irão ser tremendamente hostis. E só uma mobilização popular pode legitimar este movimento e levá-lo à discussão, que no enquadramento legal estrito só o tribunal de contas pode auditar. Entre-se aqui em lirismos talvez, mas se há lição disto é que o exercicio democrático não se pode resumir à ida às urnas e deixar que eles façam o resto. Porque bem se tem visto que o seu trabalho é, por vezes, bem deficiente. Como cidadãos, temos direito por exemplo, a criar projectos lei por petição. E é importante que isso comece a acontecer.

Na questão laboral, inteiramente de acordo. Concordando com a grande maioria dos direitos adquiridos, acho que se entre eles há um que não faz sentido é o de vínculos vitalícios. Não falo de layoffs, mas mesmo despedimentos com justa causa são raros na fp, eesse exemplo concreto pode e deve ser revisto. Mas que entre todas estas medidas se coloque o aumento das horas de trabalho é algo que tem tanto de preocupante quanto de inexplicável. A redução dos horários não serve apenas o direito ao descanso, é também visto como uma potencial medida de produtividade.
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Re: Política - Discussão ou algo do género.

Mensagempor raxx7 » domingo dez 11, 2011 4:09 am

A falta de boa vontade do BCE tem a ver, em boa parte, com o mandato da instituição que foi tirado a papel químico do antigo banco central Alemão, de controlar a inflacção e nada mais. As ajudas que o BCE deu já foram, em certa medida, à revelia do seu mandato.
E por sua vez isso, e boa parte das dificuldades em construir um mecanismo de resgate na UE, tem a ver com o facto de alguns, em particular os alemães, terem um certo medo do sobreendividamento e do risco de hiper-inflacção. Daí a exigência alemã de haver mecanismos de controlo orçamental.
Coisas que, devo dizer, para mim fazem todo o sentido. Antes de construir um mecanismo de resgate, é preciso tomar medidas para evitar que os nossos actuais e futuros governantes se aproveitem disso para nos voltar a endividar até aos cabelos como se fosse de graça.

A tua ideia pode não ser um default mas a minha questão é que isso não é algo que possamos controlar.
Ou seja, se rejeitarmos divida, sem uma base legal, a economia vai reagir a isso como sendo um default, uma falta de cumprimento do Estado. É uma daqueles coisas que... se parece, então é como se fosse.
Para efeitos práticos, foi isso que aconteceu no Equador. Embora eles se tenham safado relativamente bem, ainda não percebi bem como, em larga medida os agentes económicos reagiram a isso como um default parcial.

Não vejo mal nenhhum em passar as contas a pente fino, contudo. Simplesmente, não acho que vamos encontrar grande divida em termos que possamos alienar com base legal.
Acho que isso é o whishfull thinking do teu lado! :)
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